Para retomar o assunto, de forma sucinta, já percebemos que o problema no Brasil no que tange ao funcionamento do Estado não é exatamente a burocracia, mas como essa formalidade tem sido colocada em prática.
Vale dizer que a situação envolvendo a Unidade Básica de Saúde, descrita no capítulo anterior, e o embaraço para retirar um simples pedaço de papel, é comum na vida dos brasileiros e brasileiras.
Sem fazer comparações, imagine agora um outro cenário, mais complexo e onde estão envolvidos outros tipos de serviços públicos: abertura de empresas, requerimento de licenças e alvarás e outros tipos de documentos legais.
Tendo como referência a experiência compartilhada anteriormente com o posto de saúde, podemos imaginar, então, como seria o processo para solicitar, por exemplo, esses tipos de serviços.
Vale dizer que, embora seja fácil apontar culpados nessa ‘História burocrática de horror brasileira’, devemos tirar das costas dos servidores públicos a responsabilização por esse cenário.
“Ah, mas os servidores públicos não trabalham direito”. Bom, essa afirmação do senso comum está no campo das “meias verdades”. E o terreno onde não se assenta a verdade por inteira é perigoso.
Como qualquer outro setor de serviços, seja ele público ou privado, vai existir aquele funcionário que entrega morosidade ao invés de produtividade. Essa característica não é, portanto, restrita aos serviços públicos.
Imagine um computador desses que você tem aí na sua casa. Para que ela funcione bem, todas as peças da máquina, os hardwares, precisam estar em bom estado.
Não adiantaria, por exemplo, ter uma boa placa de vídeo dedicada, que suporta programas pesados, os softwares, se a memória ram do seu computador é baixa. Ou seja, é um trabalho de influência que uma peça exerce sobre outra.
De forma similar acontece no serviço público. A entrega insatisfatória que o servidor público faz para o cidadão, em muitos casos, está relacionada às influências que estão além da capacidade de performance desse profissional.
Essas influências estão relacionadas a uma dinâmica maior que costumamos chamar de “burocracia”.
É possível um Brasil com menos ‘burocracia’ ou como estou chamando aqui, desordemcracia. As soluções estão disponíveis, basta que gestores públicos olhem para elas.
Servidor público e cidadão são lados opostos de uma mesma moeda. Diminuir a desordemcracia no Brasil está fora do alcance dos servidores porque a dinâmica que dificulta o acesso aos serviços públicos é anterior ao próprio funcionário.
O que se entende como ‘burocracia’ preexiste à atuação do funcionário público e vai, muito provavelmente, continuar existindo após sua passagem pela gestão pública.
A burocracia, isto é, uma forma de organizar os processos sem que nenhuma etapa seja deixada para trás, talvez sempre exista.
Se alguém te fizer promessas do tipo “vamos acabar com a burocracia” da sua gestão, fuja! “É cilada, Bino.”
Já vimos que a burocracia é um dispositivo das organizações que ajudam a manter o funcionamento das coisas. O problema não está, em si, nas normas. Uma vez que elas, como já dito, sempre vão existir.
É verdade que até as normas podem mudar. Recentemente, tivemos a institucionalização da Lei 182 que regulamentou o Marco Legal das Startups que promete avançar no desenvolvimento ao que é chamado ecossistema de inovação.
Ou, por exemplo, o projeto de Lei 1040, que pretende facilitar o ambiente de negócios brasileiro, estipulando regras e diretrizes mais claras.
Os textos simplificaram muitos dos processos que, antes, dificultavam o ambiente de negócios do Brasil. Mas a burocracia, as normas, diretrizes, e regulações, ainda está lá.
Se os modos escolhidos para se colocar em prática os processos regulatórios não forem também alterados, as normas, mesmo as que foram simplificadas, tornarão a dificultar a melhoria de entrega dos serviços públicos.
Se dá para facilitar o processo, para o servidor público e para o cidadão, por que ainda não foi feito isso?
A transformação desses processos pode ser colocada em prática com a simplificação e segurança que as novas leis oferecem. Resta, portanto, que as gestões escolham o caminho da inovação e melhoria.
Os processos digitais substituem os fluxos convencionais.
Digitalizar uma prefeitura, por exemplo, reduz a tramitação de papel e solicitações físicas. Além de evitar que o requerente se desloque até o local da repartição pública.
Isso significa mais agilidade para os cidadãos, e mais facilidade para os servidores públicos analisarem documentação.
Os processos digitais melhoram os fluxos de informações porque tudo pode acontecer de forma 100% digital.
A palavra do momento é inovação. Conhecida no universo corporativo, muita gente pensa que os serviços públicos também não precisam trabalhar para desenvolver processos mais modernos.
Uma das maneiras para alterar esse ambiente de ‘desordemcracia’ sobre o qual estamos falando, é buscar meios inovadores para se entregar serviços públicos mais eficazes.
Quem utiliza os serviços públicos já deve ter percebido como o atendimento é geralmente longo.
Em boa parte dos processos, que envolvem vários departamentos para uma mesma solicitação, a espera pode ser de semanas ou até de meses para receber uma simples resposta.
Isso acontece porque cada departamento, ou repartição pública tem seu próprio modo de funcionamento.
Imagine quem precisa solicitar um alvará de funcionamento, por exemplo. A depender do tipo de empresa que será aberta, o empresário deverá fazer uma série de requerimentos: à prefeitura, Junta Comercial, Secretaria de Vigilância Sanitária e até ao Corpo de Bombeiros, em alguns casos.
O trânsito do requerimento, e suas paradas, em cada um desses órgãos públicos, desacelera o processo e obriga o cidadão a enfrentar um bom tempo de espera para conseguir concluir sua solicitação.
Integrar os serviços entre diferentes órgãos não só reduz o tempo de espera do cidadão, mas facilita a entrada e a saída de documentação.
Se em modelos convencionais para solicitar serviços o cidadão precisa ir até cada um desses departamentos, com a integração de serviços as solicitações seguem seus fluxos de forma automática após sua submissão.
A integração de serviços é uma prática adotada por gestões públicas que trabalham para inovar. A Estônia, país referência no quesito inovação e serviços digitais públicos, disponibiliza diferentes serviços do governo em uma única plataforma.
Atualmente, cerca de 2.973 serviços públicos estão disponíveis no Brasil. Um pouco mais da metade não está digitalizado e aqueles que estão não estão integrados entre si.
Na prática, isso desacelera a agilidade de análise dos servidores e, consequentemente, na entrega do serviço para os cidadãos.
Integrar plataformas é um dos primeiros passos que as gestões públicas podem dar em direção à digitalização e inovação em seu município.