A participação social na tomada de decisões políticas é um direito e está prevista na Constituição de 1988.
E é comum se pensar por aí que a participação popular na tomada de decisões da vida pública esteja resumida somente ao voto e por meio de um tipo de política representativa exercida por aqueles que foram eleitos pelo povo.
Mas essa conclusão é um equívoco. A Lei de Iniciativa Popular também é um tipo de mecanismo que possibilita a participação popular de forma mais direta na vida pública do Brasil.
Quando a sociedade tem participação ativa na esfera pública, a construção de uma sociedade se pauta na realidade social.
Esse cenário pautado por iniciativas populares pode garantir menos desigualdades, mais políticas públicas e uma sociedade que consiga suprir as necessidades de um bem comum.
Além do que já compartilhamos sobre esse tema, o texto de hoje foca especialmente em uma outra forma de participação social na vida pública: a Lei de iniciativa popular.
A Constituição de 1988 determinou que a participação popular na vida pública seria através do voto (sufrágio), e um dos mecanismos que garantiria os direitos políticos de todo cidadão.
Além do voto, que seria (e continua sendo) secreto e direto, haveria outros três instrumentos para garantir que cada cidadão estivesse envolvido nas tomadas de decisões referentes ao país. São eles:
Podemos dizer que esses 'mecanismos legais’ são executados no âmbito de interesse nacional via decreto legislativo.
Mas só foi em 1998 que uma lei própria, a de número 9.709 de novembro, determinou alguns parâmetros para a execução prática desses mecanismos que já estavam previstos na Constituição.
Esses dois mecanismos são um tipo de consulta formuladas ao povo. As questões analisadas pelos cidadãos, nesse caso, têm grande relevância e repercussão nacional.
Um plebiscito e referendo têm natureza constitucional, legislativa ou administrativa, vale lembrar.
O nosso país, por exemplo, realizou, em em 6 de janeiro de 1963, um referendo sobre o tipo de modelo político que regeria o Brasil.
Na consulta daquela ocasião, o poder público queria saber se o brasileiro aprovaria ou não a continuação do regime parlamentarista. No fim das contas, ficou decidido que seríamos um país presidencialista.
Já em 1993, foi feito um plebiscito para saber se a sociedade aprovaria um regime monárquico, uma república, parlamentarismo ou presidencialismo. Ficou decidido o regime que estamos hoje: o presidencialismo.
Enquanto 1) o plebiscito é realizado antes de qualquer ato legislativo ou administrativo (primeiro se consulta, depois decidimos); 2) o referendo convoca a avaliação popular após a instituição de algum ato (uma ação é institucionalizada, a população ou sustenta o que foi feito ou derruba a proposta).
A Constituição também garante um outro mecanismo de participação popular à sociedade. No entanto, esse mecanismo, que é feito através de uma Lei de Iniciativa Popular, é um pouco mais complexo. E explicamos o porquê.
O artigo 13º da Lei 9.709 diz o seguinte: “A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados”
Acontece que para essa lei de iniciativa popular ser apreciada pela Câmara dos Deputados, a proposta deve ser assinada por, no mínimo, um por cento dos eleitores nacionais e distribuídos em cinco Estados membros diferentes. Além disso, o artigo determina que não pode haver menos de três décimos por cento de eleitores em cada um desses Estados.
Como dá pra perceber, uma Lei de Iniciativa Popular enfrenta, antes mesmo de chegar à Câmara dos Deputados, um processo "logístico" bastante complexo.
Vale lembrar ainda que mesmo cumprindo os requisitos estipulados pela Lei de 1988, uma Lei de Iniciativa Popular dificilmente conseguiria ter suas milhões de assinaturas verificadas - (um por cento dos eleitores envolveria em torno de 1,4 milhões de brasileiros).
Para dar vazão a uma Lei de Iniciativa Popular, diante dos obstáculos e vícios que o próprio artigo 13 estipula, alguns deputados da Câmara precisariam assumir a autoria dessas propostas de lei sugeridas pela população.
No Brasil, existem 4 casos emblemáticos que impulsionaram a criação de uma proposta de Lei de Iniciativa Popular e que, no fim do processo, acabaram virando de fato leis.
A morte da atriz Daniella Perez causou grande comoção nacional. Sua mãe, a roteirista de novelas Glória Perez, conseguiu 1,3 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de Lei de Iniciativa Popular que adicionava o tipo de crime cometido contra sua filha, homicídio qualificado, aos crimes hediondos. A Lei de iniciativa popular foi apreciada e sancionada em 1994.
Esse projeto de lei de iniciativa popular partiu da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no começo de 1997.
A proposta pretendia coibir a compra de votos no Brasil, prática bastante comum na época. Além de determinar o tipo de punição.
Esse projeto de Lei de iniciativa popular alteraria leis que determinavam parâmetros para reeleição de vereadores a presidente da república. Em 1999 a o projeto foi apreciado e promulgado.
Esse projeto de lei de iniciativa popular foi uma proposta apresentada pelo Movimento de Moradia Popular, em 1992.
O processo de sua aprovação, unânime em todas as comissões, só foi realizado entre o final de 1997 e 2001. Entretanto, só em 2005 que esse projeto de lei de iniciativa popular para um fundo de habitação de interesse social foi sancionado.
A lei, que autorizava a criação de um fundo específico, pretendia acelerar a redução do déficit de moradia habitacional.
Essa Lei de iniciativa popular 11.124/2005 é destinada aos três níveis de governo: federal, estadual e municipal.
A lei da ficha limpa é a mais recente lei de iniciativa popular. O projeto foi encabeçado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Esse projeto, que a partir de 2010 se tornou lei, torna inelegível para cargos públicos, pessoas que cometeram crimes ou atos de natureza eleitoral durante o mandato.
A lei basicamente ‘marca’ o histórico do político e explicita seus antecedentes para a sociedade.
Quem é ficha limpa pode se candidatar a cargos políticos e também ser reeleito. Caso contrário, se for ficha suja, fica impedido de participar das eleições durante oito anos.
Essa lei de iniciativa popular institucionalizou, em forma de lei complementar, o que já estava previsto no parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição.
Uma Lei de iniciativa popular é uma das maneiras, além de um plebiscito e referendo, de garantir a participação popular mais direta nas decisões da vida pública.
Mas o Brasil tem caminhado também para desenvolver outros modos de participação social na tomada de decisões também, seja em nível Federal, Estadual ou Municipal.
A Lei de Acesso à Informação de número 12.527, por exemplo, garante acesso às informações públicas aos cidadãos.
A institucionalização da cidadania e da participação social a partir de leis próprias, garante melhores formas de fiscalização por parte da sociedade civil.
Outra legislação que se relaciona diretamente com a participação popular na tomada de decisões públicas é o Marco Civil da Internet. Institucionalizado pela Lei nº 12.965, o texto estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
O Marco Civil é importante porque o espaço virtual é um meio efetivo, no contexto digital das sociedades, para articular iniciativas civis, organizar projetos e comunidades para possibilitar melhores modos de participação social na administração das gestões públicas.
Todos esses mecanismos legais se somam aos mecanismos constitucionais já existentes. O acesso à informação e o marco civil da internet podem ajudar na articulação de projetos de lei de iniciativa popular que serão enviados à Câmara.