Entre 1599 e 1601, William Shakespeare, dramaturgo e poeta inglês, escreveu uma tragédia teatral que viria a ser uma das obras mais importantes da literatura ocidental.
A peça intitulada “A tragédia de Hamlet: o príncipe da Dinamarca”, e popularizada apenas como “Hamlet”, narra a história de um monarca que tenta vingar a morte de seu pai.
Em um ponto da famosa obra, Hamlet - envolvido em pensamentos suicidas - imprime na cultura da ficção literária, e também na realidade que o sucede, um dos mais eloquentes monólogos já criados - “Ser ou não ser, eis a questão”.
A frase, apesar de parecer complexa, faz um questionamento simples: é melhor viver e aceitar os sofrimentos inevitáveis da vida, ou morrer e por fim naquilo que atormenta homens e mulheres?
A conclusão feita pelo príncipe da Dinamarca é que a incerteza do que pode ser a morte supera o sofrimento infligido pelas experiências vividas.
Baseado em traços filosóficos e guiado por ideias existencialistas, o “Ser ou não ser” hamletiano extrapolou seu sentido original, e a provocação impressa na personagem de William Shakespeare passou a conotar também sobre o agir e tomar uma ação frente às experiências da vida.
Não é exagero trazer para o contexto brasileiro o conflito elaborado por Shakespeare. Se existe algum tipo de impasse por aqui, ele está, também, no entorno e dentro do Estado - este enquanto instituição pública prestadora de serviços à população.
Diferentemente do questionamento existencial que a frase, no caso do monólogo original, parece fazer, o “ser ou não ser” na versão brasileira - e no contexto da administração pública - envolve uma série de particularidades.
Deixando de lado a reflexão filosófico-existencial dos ingleses, e partindo para o contexto prático-experimental dos brasileiros, podemos adiantar de início que os dilemas da administração pública sofrem uma série de tropeços e sufocos para entregar aquilo que deveria ser de interesse de todos.
Para além de constatações simples, a administração pública precisa reafirmar sua importância, e a necessidade da sua existência, pela via da entrega propositiva e eficiente de serviços públicos para os brasileiros.
O modelo institucional que norteia a gestão pública brasileira pode ser definido como burocrático. Sua função é (ou foi), grosso modo, substituir as convicções patrimonialistas dos Estados absolutistas.
No entanto, o modelo de gestão baseado na burocracia que, em síntese, se guia por princípios técnicos para separar público e privado (fato que é um aspecto sadio para a democracia e para a preservação do interesse público), produz, por outro lado, o enrijecimento da sua própria existência na prática.
A administração pública é necessária, mas em muitas vezes ineficiente; trabalha para garantir o interesse coletivo em detrimento dos interesses pessoais, mas é enrijecida; existe para reduzir a desigualdade, mas carece de força para alcançar a imensidão de boa parte dos brasileiros; funciona - entre tantas outras coisas - para entregar serviços e suprir necessidades básicas, mas caminha à base do sufoco e de tropeços.
Esse lado existencialista e conflituoso - ou como estamos chamando aqui de uma espécie de ser ou não ser da gestão pública - talvez seja a característica mais proeminente do funcionamento das instituições governamentais.
Para que haja um indício de mudança, é necessário que a administração pública saia da enrijecida concepção institucional para se afirmar como um organismo vivo.
Até então, as gestões governamentais estão no entre dos lados opostos deste “ser ou não ser” - o que indica, na pior da hipóteses, que não é uma coisa nem outra.
Da mesma maneira que a sociedade não é uma conjuntura estática no tempo, a administração pública também não deveria ser.
A ideia de organismo vivo em detrimento da concepção institucional burocrática não é uma defesa da redução ou aumento da administração pública em si.
Na verdade, a constituição das gestões públicas como organismos vivos é a defesa da sua existência por intermédio da sua plena capacidade de eficiência na entrega de serviços.
E para que esse cenário de efetiva existência e eficiência seja possível, é necessário assumir a urgência da atuação pública como um organismo que se metamorfoseia à sombra de uma sociedade que não está inerte.
Do contrário, administração pública e cidadãos estarão separados por um contínuo desencontro de propósitos.
Ao se reconhecer como um organismo vivo, passível de transformação, as administrações públicas podem colocar à vista dos seus propósitos mudanças necessárias e possíveis.
Certamente, a mudança não virá apenas da incursão reflexivo-existencial da administração pública. Será necessário, também, outros tipos de movimentos.
Entretanto, o auto(re)conhecimento da própria administração pública como um ser-vivo, flexível para acompanhar a sociedade que a circunda, possibilitará enxergar no horizonte mudanças para contornar aquele velho paradigma que normalizamos por aqui: a burocracia.
Até aqui, pensamos sobre o lado propositivo existencial da administração pública. Ainda assim, é necessário também um tipo de movimentação prática e menos abstrata para a transformação das gestões e dos serviços públicos.
Nos últimos cinco anos, tem havido uma movimentação legislativa para colocar o Brasil na esteira do desenvolvimento tecnológico. A tecnologia, inclusive, seria uma ferramenta fundamental para a transformação sobre a qual fala este texto.
A Lei Complementar 182 institui o Marco legal das Startups, além de estabelecer regras próprias para fomentar um ambiente propício para esse modelo de empresa, e facilitar a contratação de serviços inovadores pela administração pública.
A digitalização dos serviços públicos, que envolve processos inovadores e é realizada geralmente por startups, tem se tornado uma sentença utilizada cada vez mais por gestores para designar as mudanças operacionais ocorridas em suas gestões.
As gestões públicas têm enxergado na tecnologia uma solução para reverter os dilemas no contexto da prestação de serviços por parte do poder público.
Até então, parte das gestões públicas têm feito na prática a digitalização de serviços. Mas há uma diferença entre fazer e ser digital.
A digitalização do serviço público é um processo contínuo, e não pode ser resumido à transformação de alguns poucos processos do serviço público.
Para a transformação das administrações públicas em organismos 100% digitais, elencamos 5 pilares que podem ajudar gestores a migrarem do fazer digital para o ser digital.
O controle de dados é um trabalho contínuo, e se baseia na estruturação de informações personalizadas. A partir desse modelo de controle de dados, as gestões públicas podem ajustar a entrega de serviços de acordo com as demandas e necessidades do seu público alvo: a população.
A transformação digital do serviço público não está concentrada nos profissionais de TI. Um governo que é 100% digital está aberto a novos talentos capazes de transitar no universo digital, sobretudo em cargos de chefia. As gestões públicas precisarão aumentar as habilidades técnicas de cargos públicos para garantir a experiência digital dentro das organizações públicas e fora delas.
Com um ecossistema digital descentralizado, as gestões públicas assumem que para entregar mais dinâmica e eficiência para os cidadãos é necessária a cooperação de outras organizações: públicas ou privadas.
Fluxos de trabalho inteligentes simplificam os processos públicos das gestões. Esse aspecto da digitalização pública está diretamente ligado à transformação das administrações públicas em organismos vivos - uma vez que esse pilar é flexível e muda de acordo com as necessidades do cidadão.
Uma gestão pública que é 100% digital está focada na experiência digital dos seus servidores e principalmente dos cidadãos. O que significa que a digitalização ocorre de ponta a ponta: tanto para os fluxos internos quanto para os parâmetros externos. Servidores e usuários acessam serviços a qualquer momento, em poucos cliques e a partir de uma mesma plataforma.
A digitalização não se resume em alterar atividades isoladas das gestões públicas. Isso é o que chamamos de fazer digital.
A transformação digital é um aperfeiçoamento que acontece continuamente, e que encadeia uma diversidade de mudanças e aspectos dos processos públicos. O que resulta, portanto, numa administração governamental 100% digital.
Para saber mais sobre o processo de digitalização das gestões públicas, leia também nossos e-books.