O que aprendi ouvindo prefeitos e secretários de norte a sul do Brasil

Leonardo Casagrande
Diretor de Relações Institucionais
Viajar pelo Brasil para conversar com prefeitos e secretários é, ao mesmo tempo, inspirador e desafiador. Cada cidade tem seu sotaque, seu ritmo, sua urgência — mas, no fundo, todas compartilham o mesmo desejo: fazer o certo com o que têm à disposição.
De norte a sul, já estive em prefeituras de todos os tamanhos. Em algumas, o gabinete é uma sala pequena com ventilador barulhento. Em outras, uma estrutura com equipes numerosas e departamentos especializados.
A diferença entre elas é grande. Mas a essência é a mesma: a vontade genuína de resolver problemas reais, mesmo diante de tantas limitações.
E foi ouvindo essas pessoas — prefeitos, secretários, técnicos — que aprendi lições que não estão em nenhum manual de gestão pública.
Escutar antes de propor
A primeira grande lição é simples, mas quase sempre esquecida: escutar antes de propor.
Muitos gestores querem resultados rápidos. É compreensível. O mandato é curto, a cobrança é alta e o tempo parece correr contra. Mas quando a pressa toma o lugar da escuta, o risco de errar aumenta.
Já participei de reuniões em que o prefeito queria implantar uma solução digital sem antes entender o que realmente estava travando o processo. Em outra ocasião, um secretário me disse: “Nosso problema é o sistema.”
Depois de alguns minutos de conversa, percebi que o problema não era apenas o sistema, mas também a falta de diálogo entre as secretarias.
Esse tipo de situação se repete em várias cidades. Às vezes, o gargalo não é técnico, é humano. Não adianta instalar tecnologia onde não existe comunicação.
Escutar as pessoas é o primeiro passo da transformação digital.
A coragem de mudar o básico
Outro aprendizado importante: os melhores gestores não começam pelos grandes anúncios, mas pelas pequenas mudanças que ninguém vê de imediato.
Eles entendem que inovação não é um evento — é rotina.
Vi secretários que transformaram o dia a dia apenas revisando o fluxo interno de um processo. Um deles, por exemplo, reuniu a equipe para desenhar o caminho completo de um licenciamento, do protocolo até a entrega final.
O resultado? Redução drástica de retrabalho e mais clareza para todos.
Esse tipo de iniciativa raramente ganha manchete, mas muda tudo. Quando a equipe entende o que faz e por que faz, o trabalho flui.
Inovar é ter coragem de simplificar o que parece “complicado por tradição”. É sair do automático e olhar o processo de fora — com olhos de cidadão.
A liderança que inspira pelo exemplo
Existe uma diferença enorme entre o gestor que fala sobre inovação e aquele que vive inovação.
Os prefeitos e secretários que mais me marcaram são os que lideram pelo exemplo. Não delegam o futuro — participam dele. São os primeiros a testar, a cobrar resultados e, principalmente, a reconhecer o esforço da equipe.
Liderança pública é mais do que assinar decretos. É estar presente, mesmo quando o assunto é técnico. É mostrar que o digital não é um bicho de sete cabeças, mas uma ferramenta para liberar tempo e energia para o que realmente importa: atender melhor o cidadão.
Lembro de uma conversa simbólica com um secretário que me disse: “Se eu quero que a equipe use o novo sistema, sou eu quem precisa abrir o primeiro processo.”
Essa frase ficou comigo. Porque inovação não nasce do discurso, nasce da atitude.
Tecnologia é meio, não fim
Talvez o erro mais comum que vejo nas prefeituras é tratar tecnologia como objetivo final — quando ela deveria ser apenas o caminho.
De nada adianta um sistema moderno se ele não conversa com as outras áreas. Ou se complica o que deveria simplificar.
A tecnologia deve ser invisível para o cidadão e funcional para o servidor. É o meio para que a gestão funcione melhor, não um troféu para mostrar em eventos.
O prefeito que entende isso economiza tempo, dinheiro e desgaste. Ele escolhe soluções que se adaptam à realidade do município, e não o contrário. E quando isso acontece, a transformação é natural.
A tecnologia deixa de ser um “projeto” e passa a fazer parte da cultura da prefeitura.

Os bastidores da transformação
É comum ouvir que a transformação digital depende de investimento, mas a verdade é que ela depende, antes de tudo, de visão.
Já vi cidades pequenas com resultados impressionantes porque havia liderança, comprometimento e um propósito claro. Assim como já vi grandes estruturas travadas porque faltava exatamente isso.
Nos bastidores, o que move a mudança é gente. Servidores que se dedicam mesmo sem reconhecimento. Prefeitos que enfrentam resistências políticas para fazer o certo. Secretários que topam revisar o que sempre foi feito “daquele jeito”.
Essas pessoas me ensinaram que inovação pública é menos sobre tecnologia e mais sobre coragem. Coragem de ouvir, de decidir, de começar — mesmo quando o caminho ainda não está completamente desenhado.
O valor da escuta
Se eu pudesse resumir todos esses aprendizados em uma única frase, seria esta: a escuta é o motor da inovação pública.
É escutando que o gestor entende onde o cidadão sente dor. É escutando que ele descobre o que a equipe precisa para trabalhar melhor. É escutando que a tecnologia deixa de ser uma promessa e passa a ser uma entrega.
Depois de percorrer tantos quilômetros, de ver realidades tão distintas, cheguei à conclusão de que escutar é o que mais aproxima o gestor da solução.
E, no fim das contas, é isso que transforma a tecnologia em resultado.

Leonardo Casagrande
Sou arquiteto e urbanista, e desde 2019 atuo na transformação do setor público. Já percorri mais de 25 mil quilômetros de norte a sul do Brasil modernizando prefeituras. Participei do projeto de modernização da Prefeitura de São Paulo, com a criação do portal de licenciamento urbano da maior metrópole da América Latina. Hoje, como Diretor de Relações Institucionais na Aprova, lidero o relacionamento com prefeituras e o desenvolvimento de soluções personalizadas para a realidade do setor. Acredito que inovação pública começa pela escuta, que é o que transforma tecnologia em resultado.


